sexta-feira, 27 de março de 2020

SOBRE O LADO SUTIL DA PANDEMIA



Há uma frase bem conhecida que alguns atribuem pertencer à síntese do pensamento de Russeau e outros a Victor Hugo em "Os Miseráveis":

"De que adianta ser rico numa terra de miseráveis?".

Essa pandemia serviu para muitos refazerem sua ordem de valores. Se eu tenho ou não dinheiro, fujo pra onde? Se eu fiquei imune ao coronavírus sem saber, pra onde eu for o levarei se ele estiver no período de incubação. Vou me safar porque meu sistema imunológico me protegeu. Estou me sentindo bem, mas contaminarei idosos e outros do grupo de risco.

Preciso trabalhar como empregado ou abrir minha loja, minha empresa ou indústria porque estou ficando sem dinheiro. No entanto se eu fizer isso, poderei ter que gastar tudo aquilo que eu ganhar num hospital, seja comigo mesmo ou com alguém da família que for contaminado pelo vírus.

Num mundo cada vez mais desigual em que o dinheiro está nas mãos de poucos, esses poucos não se preocupam muito com os que têm menos do que eles. Se morrerem serão apenas percentuais. Morrem 5%, mas ainda restarão outros 95% para consumir e " fazer girar a economia".

O ser humano hoje é visto assim, em percentuais, e a vida em probabilidades de se morrer ou viver. Os economistas e os investidores das bolsas querem salvar a economia; os cientistas, médicos e humanistas querem salvar vidas. E qual o ponto de equilíbrio? Quantas mortes poderíamos chamar de "um número razoável"?

A reflexão está no poema "A Meditação XVII" de John Donne:

Nenhum homem é uma ilha, isolado em si mesmo; cada ser humano é uma parte do continente, uma parte de um todo. 
Se um torrão de terra for levado pelas águas até o mar, a Europa ficará diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse o solar de teus amigos ou o teu próprio; 
A morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não pergunte por quem os sinos dobram; eles dobram por ti.