Não... nada dessa história de herói. Sérgio Moro foi um grande juiz, tem conduta ilibada, paciente, inteligente, estratégico e exemplo de retidão. Sempre fiel a quem representa, continua determinado no combate à corrupção e ao crime comum (sim... corrupção é crime hediondo). Reconhecido internacionalmente (não pela esquerda ou pelos bandidos - redundância?), tem à sua disposição universidades americanas interessadas em tê-lo como professor. É só tirar o chapéu, sair de mansinho e ir morar nos EUA com a família. Quer maior segurança que essa?
Mas por que não chamo Moro de herói? Por uma simples razão. Um herói pode ser um bandido e transformar-se em herói ao salvar uma criança, um velhinho ou alguém. Pode ser detentor de uma enorme capivara e tornar-se herói ao evitar um acidente que seria fatal para dezenas, centenas ou milhares de pessoas. Um herói pode ser menos, muito menos. O termo em si não define Moro.
Provavelmente nem eu e nem você sairíamos incólumes de uma verdadeira devassa em nossas vidas. Não resistiríamos aos bombardeios da imprensa ativista e interesseira, dos bandidos encarcerados, investigados, indiciados e soltos por ineficiência, benevolência, partidarismo ou compadrismo da justiça. Não suportaríamos viver trancafiados e cercados por seguranças sem ir aos parques, shoppings ou sair de férias com a família. Não poderíamos, talvez, ficar próximos de janelas ao alcance de algum "marksman" ou "sniper" pago pelos chefes do tráfico.
E o Congresso de maioria legislativa formada por, quando não bandidos - ou investigados beneficiados pela "impunidade constitucional" -, são amigos dos amigos dos bandidos. É fácil lutar contra quem tem as leis e os vetos nas mãos?
Fala a verdade... manter bom histórico e conduta ilibada com toda essa turma atrás, sofrendo essa pressão toda 24h por dia e mesmo assim continuar colaborando (e em alguns casos comandando) com a redução de crimes e ajudando a poupar a vida de milhares de seres humanos, é ou não ser bem mais que um herói daqueles que salva o velhinho em cadeira de rodas? E nem vou me referir às imponderáveis mortes silenciosas no chão dos hospitais e nas filas do SUS causadas pelos roubos e desvios de dinheiro desse câncer nacional que é a corrupção. Essas ninguém conta. Nem quem mata, nem quem salva.
Moro não resiste ou sai ganhando dessa turma de "coyotes" (o Willy que caça o bip-bip), ou porque é muito inteligente ou seus "coyotes" são extremamente limitados. Um misto do primeiro com o segundo ou só o segundo?
Moro joga xadrez contra uma turma que joga truco. Trucam, berram, sobem em cima da mesa, sapateiam, dão porrada e quando olham pra ver sua reação ele está calmamente olhando para o seu tabuleiro e pensando. Faz "roque" pra proteger o rei (quem seria?) e avança uma casa de cada vez sem sacrificar peças valiosas. No caminho vai comendo "en passant" os peões que se fizeram de espertos e vai jogando, sem pressa de cheque mate.
Bolsonaro é incauto com as palavras, mas de bobo não tem nada. Ele sabe que não adianta ser dominado pela vaidade e chutar Moro por estar mais popular que ele. Quem já trabalhou como diretor ou gerente de uma grande empresa sabe que é mal negócio destruir um subordinado que cresce e se sobrepõe aos outros, inclusive ao próprio chefe em algumas ocasiões. Só com inteligência emocional e boa orientação se consegue transformar esse bônus em trunfo. Quando os instintos vencem, o chefe sempre perde.
Agora um recadinho para os fantoches Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, chefes paus mandados do legislativo. Não percam seus preciosos tempos atendendo aos reclamos de seus manipuladores. Eles têm muito mais a perder do que vocês. Aproveitem as proteções que seus cargos lhes oferecem e façam a coisa certa.
A vida passa depressa. Nada se leva, tudo se deixa. E que o melhor deixado seja o exemplo do seu caráter, ao menos para seus filhos.
Com o passar do tempo, há dois sentimentos que desaparecem: a vaidade e a inveja. A inveja é um sentimento horrível. Ninguém sofre tanto como um invejoso. E a vaidade faz-me pensar no milionário Howard Hughes. Quando ele morreu, os jornalistas perguntaram ao advogado: "Quanto ele deixou?". O advogado respondeu: "Deixou tudo." Ninguém é mais pobre do que os mortos.
(Antonio Lobo Antunes)