domingo, 14 de julho de 2013

Medo da sombra do meu eu

"Como contato praticamente permanente com a lógica surgiu-me um sentimento que nunca antes eu experimentara: o medo de viver, o medo de respirar. Com urgência preciso lutar porque esse medo me amarra mais do que o medo da morte, é um crime contra mim mesmo. Estou com saudade de meu anterior clima de aventura e minha estimulante inquietação. Acho que ainda não caí na monotonia de viver."

(...)

"Quem sabe — quem sabe se o que é certo está exatamente no erro? Se é verdade, quantos "erros" frutíferos eu perdi. Isso contraria tudo o que aprendi e tudo o que a sociedade humana me ensinou. Por medo do erro, eu me abastardei. Para evitar o erro, eu nada de grande ousei. Eu, de pé na rua, faço sombra no chão. A minha sombra é o meu avesso do "certo", a minha sombra é o meu erro — e esta sombra-erro me pertence, só eu a possuo em mim, eu sou a única pessoa no mundo que calhou ser eu. Tem pois o direito adquirido de ser eu? E quero agora meus erros de volta. Reivindico-os."

(Clarice Lispector - Um Sopro de Vida)

COMENTÁRIO

A aventura, sem dúvida, reduz o medo ou ao menos o esconde, mas é impossível se estabelecer limites para a aventura. Ou se parte pra ela de vez ou se permanece no medo, pois a busca por limites é que alimenta a falta de coragem. Clarice fala em lutar contra o que ela chama de crime contra ela mesma. Fala da saudade da coragem de se aventurar. Uma espécie de moto perpétuo do pensamento, em que se tem saudade de sentir vontade. Mas é a recusa de cair na monotonia do viver e de não aceitar essa falsa sensação de segurança na qual a mesmice nos induz a acreditar que nos dá coragem de lutar para evitar esse crime contra nós mesmos. O de nos anularmos.

Por outro lado, a aventura nos expõe ao erro. Mas "quem sabe se o que é certo está exatamente no erro?" O que seria de nós sem os erros que modelam a nossa alma? Quem evita o erro não se aventura e nem ousa; quem não ousa, não erra. E só há aventura lá fora, na luz direta ou translúcida do Sol. "Eu, de pé na rua, faço sombra no chão. A minha sombra é o meu avesso do 'certo', a minha sombra é o meu erro"

Sou um ser único e nenhuma outra sombra pode representar os meus erros; nenhuma outra sombra é igual à minha. Contém os erros que me pertencem e me acompanham na luz do sol, mas que antes se camuflavam na escuridão do meu refúgio. Eu me aventuro e saio da clausura. "E quero agora meus erros de volta. Reivindico-os."

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