quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Tens o direito de ficar calado

Muito do que se fala hoje contra a aplicabilidade do humanismo é resultado de muitas mudanças que nele ocorreram com o tempo desde a Grécia Antiga de Sócrates e Platão. Essas correntes sucessoras do pensamento socrástico que vieram após os importantes complementos platônicos, tentaram identificar e definir as fontes de conhecimento ideais para a educação e o fortalecimento da razão humana, estabelecendo também alguns parâmetros para avaliar o grau evolutivo ou de progresso do indivíduo. Basicamente, na arte, na ciência (matemática) e na filosofia, estavam as fontes de desenvolvimento do conhecimento e da sensibilidade humana.

Sedentos para aperfeiçoar conceitos, as correntes filosóficas sucessoras se aprofundaram demais no tema, distanciando-se da essência dos primeiros pensamentos que, no caso do humanismo de Sócrates e Platão, foram fundamentadas no conceito de que a capacidade de distinguir o certo do errado estava na razão das pessoas e não na sociedade. Os filósofos dessas novas correntes não se aperceberam de que estavam incutindo novas necessidades baseadas na aceitação ou negação de políticas, dogmas, doutrinas e religiões da época e de seus países. Como é possível não ser influenciado por esses valores, quando a própria razão - educada ou não - não tem como fugir do meio político-social em que se vive?

Se pensarmos bem, existem certos valores que não necessitam da dialética induzida de Sócrates para serem considerados universais, pois, são almejados por todos os seres humanos do planeta. Eles estão presentes na "Declaração Universal dos Direitos Humanos" de 1948 da forma mais clara e objetiva possível, mesmo considerando a complexidade nos significados de justiça e de felicidade.

Portanto, o humanismo real será factível se for pragmático, não se perdendo em novas verdades provenientes de aprofundamentos filosóficos ou nas teorias e nos métodos desenvolvidos para aplicá-lo. Como na Constituição de um país, o que vem depois dela poderá sempre ser legitima e legalmente contestado por meio da argumentação de inconstitucionalidade. No caso dos direitos universais, a essência do humanismo está na LIBERDADE, na  IGUALDADE e na FRATERNIDADE. Esses três pilares da justiça e da dignidade humana estão nos dois primeiros artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos:

Artigo I.

Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.

Artigo II.

1. Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.

2. Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania.

Esses direitos, embora defendidos por religiões, doutrinas e filosofias, possuem razões de existência absolutamente independentes de credos e pensamentos filosóficos mais profundos, pois referem-se à felicidade natural e de direito de todo e qualquer ser humano, indiscriminadamente.


No entanto, alguns cidadãos, ao invés de se preocuparem com as transgressões desses direitos praticadas por empresários poderosos e seus políticos prediletos ou com abusos do executivo e tendenciosidades do judiciário, preocupam-se em criticar os direitos humanos dos presos e condenados, esquecendo-se de que o poder deles é infinitamente inferior ao dos chamados "transgressores legais" que agem livremente sob a proteção da imunidade parlamentar e/ou incentivados pelo histórico da impunidade seletiva. Oras... o que é receber propinas, privilegiar parentes, desviar verbas públicas e, embora legitimados por leis ordinárias e complementares, usufruir de polpudos salários e benefícios diferenciados num país ainda tão desigual? Isso é menos grave e revoltoso que um bandido comum condenado receber visitas íntimas, poder tomar banho de sol e de não poder ser torturado? Quantos políticos ou criminosos de colarinho branco encontram-se atrás das grades hoje?

Em resumo, todas as vezes que protegermos um criminoso ou um poderoso corrupto qualquer, seja ele empresário ou político, estaremos transgredindo a "Declaração Universal dos Direitos Humanos" e não teremos, aí sim, direito moral de reivindicar nossas prerrogativas constitucionais de LIBERDADE, IGUALDADE e FRATERNIDADE. Não teremos nem o direito de fazer calar os que nos flagraram nesta atitude de extrema incoerência.

No máximo, teremos direito de ficar em silêncio. E ruborizados se ainda nos restar a vergonha.



-o-


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