quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Quintana comentado - Expectativa, fidelidade e (auto) traição

Sobre Mário Quintana

Eu adorava esse velhinho, mesmo sabendo que ele não foi velhinho a vida inteira. É assim... a gente mantém a imagem das pessoas naquele período que mais marcou nossas vidas, embora seja uma espécie de injustiça... egoísmo. Mas poetas e filósofos são públicos por opção e sabem que estão sujeitos aos surtos de possessividade de seus leitores.

Gostamos dessa imagem do velhinho sábio ou simplesmente do "nós amanhã". Estamos a todo tempo querendo pular etapas, por mais que esses sábios nos avisem em seus "conselhos" reflexivos de que experiências pessoais são intransferíveis. Bem... intransferíveis em termos, pois, plantam sementes nos jardins das nossas vidas, sem tempo certo para germinar, com a grande vantagem de nunca dizerem "não lhes avisei?". Afinal, quem avisa, inimigo é. Poetas e filósofos são amigos, principalmente no contraditório.

Os dois textos que escolhi de Quintana, mostram que passamos a vida inteira criando dependências e expectativas, depositando no(a) outro(a) a responsabilidade sobre a nossa felicidade. Isso acontece porque o ser humano é constituído de ego que, como um lobo insaciavelmente faminto, precisa ser constantemente alimentado. Faminto e exigente, pois, não é qualquer carne de cordeiro que pode saciar a sua fome. É um lobo seletivo que só busca iguarias e alimentos não indigestos, como a concordância, a fidelidade, a cumplicidade e o amor. Este último, bem mais complexo, envolve conceitos próprios e transitórios com percentuais variáveis dos três anteriores. A equação definitiva resulta num quarto conceito que é o da traição.

Quando desejamos nos livrar das pessoas que, de alguma forma a usamos e hoje nos incomodam, alteramos imediatamente a equação anterior. Isto acontece com amigo(a)s e amado(a)s, pois, poetas e filósofos não são afetados pelos nossos julgamentos situacionais. É quando normalmente traímos e somos traídos. Traímos a confiança e a nós mesmos. E como dói a traição! Às vezes, mesmo sem traí-las, tentarmos delicadamente devolvê-las para seus habitats, seja após uma crise de arrependimento, por estarmos cansados delas, por havermos encontrado um(a) substituto(a), sem notarmos que durante muito tempo as forçamos a respirar e viverem como nós.

O importante então é nos bastarmos, mesmo sabendo que, se nos "bastamos" somos egoístas; se nos entregamos somos fracos. E na aceitação ou negação dessas avaliações que a sociedade nos impõe, moldamos o nosso caráter; moldamos a nossa personalidade; moldamos as nossas vidas. E a melhor maneira de moldar as nossas vidas, faz-se pela forma - e não pela "fôrma" - como escreveu Mário Quintana:

"Outro elemento da poesia é a busca da forma (não da fôrma), a dosagem das palavras. Talvez concorra para esse meu cuidado o fato de ter sido prático de fármacia durante 5 anos. Note-se que é o mesmo caso de Carlos Drummond de Andrade, de Alberto de Oliveira, de Erico Veríssimo – que bem sabem (ou souberam), o que é a luta amorosa com as palavras."

Que o seu jardim seja de flores verdadeiras para que as borboletas polinizem e as abelhas não voltem sem o mel!

Que o seu peixinho machucado seja jogado de volta, logo depois de pescado. O rio e o mar cuidarão das feridas melhor que você e o seu remorso!


Boa leitura!


BORBOLETAS (Mário Quintana)

Quando depositamos muita confiança ou expectativas em uma pessoa, o risco de se decepcionar é grande.

As pessoas não estão neste mundo para satisfazer as nossas expectativas, assim como não estamos aqui, para satisfazer as dela.

Temos que nos bastar... nos bastar sempre e quando procuramos estar com alguém, temos que nos conscientizar de que estamos juntos porque gostamos, porque queremos e nos sentimos bem, nunca por precisar de alguém.

As pessoas não se precisam, elas se completam... não por serem metades, mas por serem inteiras, dispostas a dividir objetivos comuns, alegrias e vida.

Com o tempo, você vai percebendo que para ser feliz com a outra pessoa, você precisa em primeiro lugar, não precisar dela. Percebe também que aquela pessoa que você ama (ou acha que ama) e que não quer nada com você, definitivamente, não é o homem ou a mulher de sua vida.

Você aprende a gostar de você, a cuidar de você, e principalmente a gostar de quem gosta de você.

O segredo é não cuidar das borboletas e sim cuidar do jardim para que elas venham até você.

No final das contas, você vai achar, não quem você estava procurando, mas quem estava procurando por você!


VELHA HISTÓRIA (Mário Quintana)

Era uma vez um homem que estava pescando, Maria. Até que apanhou um peixinho! Mas o peixinho era tão pequenininho e inocente, e tinha um azulado tão indescritível nas escamas, que o homem ficou com pena. E retirou cuidadosamente o anzol e pincelou com iodo a garganta do coitadinho. Depois guardou-o no bolso traseiro das calças, para que o animalzinho sarasse no quente.

E desde então, ficaram inseparáveis. Aonde o homem ia, o peixinho o acompanhava, a trote, que nem um cachorrinho. Pelas calçadas. Pelos elevadores. Pelo café. Como era tocante vê-los no "17"! o homem, grave, de preto, com uma das mãos segurando a xícara de fumegante moca, com a outra lendo o jornal, com a outra fumando, com a outra cuidando do peixinho, enquanto este, silencioso e levemente melancólico, tomava laranjada por um canudinho especial...

Ora, um dia o homem e o peixinho passeavam à margem do rio onde o segundo dos dois fora pescado. E eis que os olhos do primeiro se encheram de lágrimas. E disse o homem ao peixinho: "Não, não me assiste o direito de te guardar comigo. Por que roubar-te por mais tempo ao carinho do teu pai, da tua mãe, dos teus irmãozinhos, da tua tia solteira? Não, não e não! Volta para o seio da tua família. E viva eu cá na terra sempre triste!..."

Dito isso, verteu copioso pranto e, desviando o rosto, atirou o peixinho n’água. E a água fez redemoinho, que foi depois serenando, serenando... até que o peixinho morreu afogado... 


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