terça-feira, 20 de novembro de 2018

CONSCIÊNCIA DE TODAS AS CORES

Costumo abordar muitos assuntos, mas sempre evitei escrever sobre lutas de minorias e os motivos são vários. Ser mal interpretado e atrair comentários raivosos é o principal deles. O pior de tudo é que na maioria das vezes não há interpretação nenhuma. Logo ao ler o título, quem carrega o ódio no coldre faz como naqueles filmes de bang-bang: mão próxima da arma e dedos mexendo no ar. Mas vou arriscar sem dar chances para o argumento de legítima defesa.

Não vou entrar no mérito, mas sim na forma e por um simples motivo. Quem poderia questionar a tese humanista de que todos somos ou deveríamos ser iguais em termos de oportunidades e respeito? Os que não concordam com isto, o problema já não é mais humanístico ou filosófico, mas sim patológico. Como não sou psicólogo ou psiquiatra e nem tenho a mínima vocação pra ser, esses doentes podem parar de ler por aqui.

Uma vez eu disse que Gandhi, Mandela e Luther King foram exemplos de grandes conquistas por meio da NÃO VIOLÊNCIA. Veio uma feminista dizendo que Gandhi transava com menores de idade, um extrema direita argumentando que Mandela era comunista e um ateu alegando que Luther King era pastor religioso. Pronto... era a não violência sendo derrotada por questões morais, ideológicas e religiosas do nosso ocidente "mais evoluído".

Muito provavelmente seu tataravô casou e teve relações com menor de 15 anos e nem por isso foi um pedófilo. Ah, mas ele casou! Espere aí... se uma criança de 12 anos não tinha (e não tem) maturidade emocional e biológica para fazer sexo no namoro, passaria a tê-las só porque casou em papel passado? Por mais absurdo e indecente que esse costume possa parecer nos dias de hoje, isso fazia parte da cultura e porque não dizer, da ignorância daquele período patriarcal e machista da sociedade. Esse mesmo costume predominava na Índia de Gandhi e predomina até hoje, mas aos poucos está sendo mudado com a introdução de leis mais rígidas de proteção à mulher.

Na Roma Antiga, por exemplo, homens mais velhos iniciavam os mais jovens por meio da prática homossexual. A orgia, a gula, a bebedeira e a promiscuidade faziam parte da cultura da sociedade romana. As mulheres jogavam recém nascidos na lata de lixo quando não queriam filhos. Hábitos relativamente semelhantes também existiam na Grécia Antiga de Sócrates.

Gente... eu não estou me referindo a estupro, assédio e sexo sem consentimento, coisas absolutamente diferentes. Por mais proteção e impunidade que houvesse naquela época (e haja até hoje), tanto pedofilia quanto assédio, sexo sem consentimento, aborto ilegal e estupro são crimes. E ponto!

E o que isso tudo tem a ver com as minorias e, mais especificamente, com a forma de conseguir mudar esse quadro atual de preconceito e desigualdade que ainda aflige não só essas minorias, mas também os mais conscientes que reconhecem haver essas injustiças?

É que não podemos ignorar, desqualificar ou deixar de lado as boas práticas e os bons exemplos do passado pelas diferenças culturais entre a sociedade moderna e a daquela época, por mais absurdas e excêntricas que nos possam parecer. Vamos desprezar as maravilhosas contribuições que gregos, romanos e outras civilizações deixaram para os estudos de filosofia, organização política e democracia contemporâneas?

Sobre os três pacifistas, não importa se Gandhi se debatia entre a espiritualidade e os apelos da paixão e da carnalidade; se Mandela ao se tornar estadista, insistiu nos mesmos erros do apartheid ou se Luther King tinha um “fraco por mulheres” e relacionamentos extraconjugais. Nada disso muda a importância e eficácia dos dois principais ingredientes da receita que usaram para conquistar seus objetivos humanitários:

INTELIGÊNCIA E NÃO VIOLÊNCIA.

A meu ver, o principal problema nas lutas de algumas minorias está na passionalidade excessiva e na agressividade com que promovem suas causas. Não estou me referindo aos desequilibrados que agridem crianças e idosos, urinando e defecando em público ou aos destroem bens públicos e privados em seus acessos de loucura e irresponsabilidade, pois, isso já é problema de sanidade mental. Refiro-me ao estilo de alguns grupos organizados com suas reações desproporcionais e generalizadas de ódio que acabam atingindo até os apoiadores de suas causas, provocando neles antipatia e desprezo por elas. Afinal, o objetivo desses grupos é o de conscientizar as pessoas e conquistar seus apoios ou o de apenas demarcar seus territórios? De integrar seus modos de vida aos da sociedade e usufruir igualmente de seus benefícios - inclusive dos produtos oferecidos por esse capitalismo que tanto criticam - ou manter essa sociedade bem longe de suas castas e de seus costumes?

O ódio e a violência nunca resolveram essas lutas entre povos e religiões no mundo, e exemplos não faltam. Cristãos x muçulmanos, judeus x árabes, católicos x protestantes e por aí vai. Algumas dessas desavenças são seculares, mas notem que nunca ninguém desses grupos (talvez pouquíssimos) abriu mão de suas convicções ou tentou dialogar e agir sem violência. Para eles, "A vitória não basta... tem que ser completa, arrasadora e gloriosa", como dizia Napoleão Bonaparte.

E alguns líderes dessas minorias me dirão: "mas nossa causa não tem nada ver com religião!" e eu lhes direi que como dogma talvez não, mas como religião deveria ter. No latim, religião não tem nada a ver com Deus. "Religio" significa "respeito", "reverência", derivando de "relegere", onde re- (de novo), está associado ao verbo "legere" que significa "ler", "tomar com atenção". Uma pessoa vive a religião quando cuida escrupulosamente de algo muito importante. E se a sua causa é importante, deve usar sua atenção para entendê-la e cuidar escrupulosamente dela. E o ódio, por sua vez, só existe e resiste em ambientes onde não há escrúpulos.

Meu objetivo com este ensaio não é o de convencer ninguém, mas unicamente o de compartilhar reflexões e gerar outras. Esses três pacifistas históricos que mencionei libertaram nações e iniciaram movimentos nobres que provocaram desdobramentos que beneficiaram e beneficiam até hoje milhões de oprimidos e excluídos por meio da INTELIGÊNCIA e da NÃO VIOLÊNCIA.

Aos que os chamam de hipócritas por questionarem suas vidas pessoais às vezes controversas, eu diria que prefiro a hipocrisia da NÃO VIOLÊNCIA praticada à da professada e não cumprida ou à do ódio.

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