domingo, 21 de julho de 2013

Direita ou esquerda? Filosofia ou pragmatismo?

Não é uma crítica, mas um desafio aos antigos pensamentos sobre ideologias, direita e esquerda. Vejo que muitos ainda se mantém dentro das visões simplistas de direita e esquerda; de socialismo, de comunismo e outros "ismos". Eu acho que hoje não há mais espaço para o radicalismo se quisermos um país mais igualitário, ou seja, sejamos menos simplistas ou filosóficos e mais pragmáticos. A pergunta não é se devemos estatizar ou privatizar, mas sim O QUE estatizar ou privatizar. Já está mais do que provado que os governos não são bons administradores de nada que vise lucros. Por outro lado, o mundo já se cansou da destruição promovida pelo capitalismo selvagem (digo do selvagem e não do capitalismo em si), o do lucro a qualquer preço social. Os ordeiros e pacíficos que estão saindo às ruas são pragmáticos e não querem nem saber de direitas ou esquerdas. O ser humano e a seriedade no trato do dinheiro público vêm antes da ideologia.

Para quem tem a mente aberta, recomendo a leitura desse texto de Bolívar Lamounier. A matéria saiu numa revista Exame de 1996, mas é atualíssima.

Direita e esquerda
As ideologias ainda têm a sua serventia. Mas já não há lugar para a utopia
(Bolívar Lamounier)

Seja por hábito, seja por razões mais ponderáveis, parece que estamos cada vez mais retornando aos termos esquerda e direita para designar políticos e partidos. Quando pensamos na sucessão, falamos em Maluf pela direita, Fernando Henrique pelo centro, Lula pela esquerda. Os partidos de esquerda de tempo em tempo cogitam se reunir num grande partido... de esquerda. Mas afinal: as ideologias morreram ou não morreram? Direita e esquerda ainda são conceitos válidos, após a queda do Muro de Berlim?

O nunca assaz louvado Norberto Bobbio, grande filósofo italiano, escreveu recentemente que os conceitos de direita e esquerda permanecerão válidos enquanto as sociedades humanas continuarem dilaceradas por conflitos pela redistribuição da renda e da riqueza; ou seja, terão vida longa, se é que não são eternos. Já em 1964, 25 anos antes de Berlim, o antropólogo americano Clifford Geertz havia também escrito um ensaio extraordinário contra a tese do "fim das ideologias". Em síntese, ele dizia que é errado ver as ideologias somente pelo lado negativo, isto é, como visões simplistas, fanatismos ou tapas que os ignorantes utilizam para se sentir confortáveis com sua própria obtusidade. Simplificar elas simplificam, mas o importante, segundo Geertz, é que elas também funcionam como "mapas cognitivos", ou seja, como conjuntos estruturados de interpretações e símbolos sem os quais nenhuma coletividade poderia compreender o seu próprio ambiente, a sua história, os problemas que enfrenta e por que deve ou não deve se contrapor a outras coletividades. Nesse sentido, as ideologias não morrem porque sempre haverá milhões de indivíduos precisando entender as diferenças sociais e a sua própria identidade, isto é, a que parcela pertencem e o que os distingue de outras parcelas.

E aí, como ficamos? O pensar ideológico é bom ou ruim? As ideologias morreram ou não morreram? Não é uma questão simples. Se tivesse de optar, confesso que ficaria um pouco com a tese de Geertz e bem menos com a de Bobbio. Entendidas como referenciais coletivos, as ideologias provavelmente continuarão existindo, e não são necessariamente como um fenômeno negativo, visto que expressam a pluralidade dos interesses e valores da sociedade, e servem como orientação para os diferentes grupos. Já a distinção entre direita e esquerda parece ter perdido praticamente todo o sentido que carregou desde a sua origem (a Revolução Francesa), passando pela formulação das grandes utopias socialistas, durante o século XIX, até encontrar a sua hora da verdade, com o recente colapso das economias planejadas do Leste Europeu.

Claro, não posso fazer uma afirmação desse tamanho sem oferecer um argumentozinho sequer que a sustente. Meu argumento é que os conceitos de esquerda e direita eram inseparáveis de certa pretensão de conhecer o futuro. Este é que é o busílis. O que desabou junto com o Muro de Berlim não foi apenas o modelo de socialismo engendrado pela revolução soviética de 1917 ou apenas o intervencionismo econômico exacerbado que inventamos na América Latina. Foi sobretudo a filosofia da história subjacente à distinção entre esquerda e direita, isto é, a suposição de que as pessoas (ou os partidos e movimentos políticos) poderiam ser divididas em 2 categorias nitidamente separadas. De um lado, os "progressistas": aqueles que supostamente detinham o conhecimento do futuro; de outro, os "reacionários": aqueles que não tinham acesso a esse conhecimento. De um lado, os que trabalhavam ativamente para apressar o advento de um futuro melhor; de outro, os que não podiam fazer isso, por ignorância ou por interesse. Assim entendida, não há dúvida de que a distinção entre esquerda e direita se tornou vazia, ou francamente mistificadora.

Como fica, então, a sugestão de Geertz, de que certos "mapas cognitivos" sempre existirão e podem ser até muito úteis? Esta seria uma pergunta-chave, se resolvêssemos fazer uma reforma partidária de verdade. Como os termos esquerda e direita hoje dizem muito pouco, quem quiser comunicar efetivamente uma visão do mundo ou uma opção programática terá de ser mais específico: diga, por exemplo, qual deve ser o papel do Estado na economia, fale em preferências e prioridades, seja claro sobre os recursos com os quais pretende financiar os seus projetos.

Use e abuse do direito de especular sobre os destinos do mundo, para consumo próprio, mas seja claro ao exprimir suas opções políticas, se tiver o propósito de convencer os seus concidadãos. Se acredita que o Estado deve conservar um papel empresarial ativo, diga isso; se acha que não deve, diga como devemos fazer para que o mercado funcione de maneira realmente competitiva e traga mais benefícios que malefícios no tocante à pobreza e à distribuição da renda. Se quiser retomar a idéia de socialismo, diga se gostaria de implantá-lo em conjunto com a democracia representativa, ou com alguma forma ainda não inventada de democracia direta, ou sem democracia nenhuma. E assim por diante, caso a sua preferência seja a social-democracia, o social-liberalismo, o liberalismo tout court ou qualquer outro desses adoráveis rótulos. Mas deixe o longuíssimo prazo para os filósofos do século XIX e para os escritores de ficção científica.

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