quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Maquiavel seria humanista no século XXI


Muitos falam de Maquiavel (Niccolò Machiavelli) com o pé atrás. Fez-se uma imagem exageradamente negativa desse filósofo, historiador, músico, diplomata e poeta brilhante. Esse conhecimento e brilhantismo intelectual/filosófico aliado ao envolvimento na política desde os seus 29 anos, acabou desenvolvendo a sua capacidade de estratégias lógicas de comportamentos (previstos, reais e desejáveis) com o objetivo de conquistar e manter o poder. Esta é penas uma "pincelada" para os que não conhecem ou só ouviram falar de Maquiavel, mas os que desejarem saber mais sobre ele, a Wikipédia é uma fonte confiável. Sua principal obra, denominada "O Príncipe" econtra-se disponível para download gratuito em vários sites, inclusive em audiobook.

Numa época em que o acesso às leituras era bastante limitado (1510) e acessíveis apenas para algumas classes mais privilegiadas, as obras de Maquiavel com orientações para o domínio e manutenção do poder não estavam disponíveis aos maiores interessados pela liberdade que eram servos ou camponeses (ploretariado nascente e massas rurais), além do que, pouquíssimos eram alfabetizados. Somente por volta do século XVIII que não só o interesse como a disponibilidade de livros para esse público aumentou. Este é um dado muito importante para entender, pois, um conjunto de estratégias DOMINADORAS tem seu sucesso determinado pela proporção de DOMINADOS desinformados (efeito surpresa sobre a sociedade não-articulada).

É este exatamente o ponto que desestrutura completamente determinadas estratégias de Maquiavel se forem utilizadas neste século sem a devida atualização, transformando-as apenas num conjunto de maldades de breve tortura política e social, correndo o risco de se tornarem tiros que sairão pela culatra. Os principais pilares desta força contrária são a liberdade e a democratização da informação. Para os países das Américas Central e do Sul, a desigualdade social e o analfabetismo são os pontos favoráveis para o relativo sucesso das estratégias de Maquiavel (dependência do poder central).

É só dar uma lida nas principais bases do maquiavelismo que notaremos a ineficácia de tentar se sustentar no poder diante de um povo que tem acesso à informação. Enfim, não se fecha gradativamente o registro da liberdade conquistada no século XXI. Só uma revolução poderia destruir essa liberdade, mesmo assim, não destruiria a lembrança de uma sensação já experimentada, tornando o produto da conquista, ingovernável. As bases da sociedade de hoje estão irreversivelmente estruturadas na liberdade.

Algumas técnicas de domínio e de governo, segundo Maquiavel:

GOVERNO E CONQUISTA: (...) Na verdade, o único modo seguro de conservar uma cidade conquistada é a sua destruição. Quem se torna senhor de uma cidade habituada a viver livre e a não desfaça, pode preparar-se para ser por ela desfeito, porque sempre encontrarão grande receptividade no seio da rebelião a recordação da liberdade e das antigas instituições, as quais nem pela acção do tempo nem pela concessão de benesses se apagarão da sua memória. O que quer que se faça ou se disponha, se não se dividirem e dispersarem os habitantes, fará reviver a ideia de liberdade e a antiga ordem, pois logo as evocam a cada incidente que ocorra. (...)

DE QUE MODO OS PRÍNCIPES DEVEM MANTER A FÉ DA PALAVRA DADA: (...) "É que os homens em geral julgam mais pelos olhos do que pelas mãos, porque a todos cabe ver mas poucos são capazes de sentir. Todos vêem o que tu aparentas, poucos sentem aquilo que tu és; e esses poucos não se atrevem a contrariar a opinião dos muitos que, aliás, estão protegidos pela majestade do Estado; e, nas ações de todos os homens, em especial dos príncipes, onde não existe tribunal a que recorrer, o que importa é o sucesso das mesmas..."

O QUE CONVÉM A UM PRÍNCIPE PARA SER ESTIMADO: (...) "Ademais, deve, nas épocas convenientes do ano, distrair o povo com festas e espetáculos. E, porque toda cidade está dividida em corporações de artes ou grupos sociais, deve cuidar dessas corporações e desses grupos, reunir-se com eles algumas vezes, dar de si prova de humanidade e munificência, mantendo sempre firme, não obstante, a majestade de sua dignidade, eis que esta não deve faltar em coisa alguma."

Por que não citar exemplos de outras obras de Maquiavel como "Histórias Florentinas"? Justamente porque embora esta última estivesse mais ligada ao sistema republicano, na verdade é constituída de fragmentos escritos a quatro mãos e com variáveis pontuais como guerras religiosas. Além disso, Maquiavel já havia caído no ostracismo, prova de que sua fase republicana não foi muito bem sucedida. Já a sua principal obra completa (O Príncipe) destoa de nossa época, limitando sua utilização em algumas maldades pontuais para serem utilizadas entre a própria classe política. Os que conseguem enxergar alguma outra estratégia aproveitável que lhes garantam a permanência no poder, certamente estão "forçando a barra" ou lendo as entrelinhas das obras, como se fossem uma espécie de I-Ching político. Algo assim, meio esotérico e sobrenatural.

Quando o título diz "Maquiavel, o humanista do século XXI" - se reencarnasse neste século - é porque sua genialidade visava resultados de conquista e manutenção do poder por meio de ações perfeitamente praticáveis numa época de príncipes inatingíveis (oligarquia) e seus súditos. Ser temido ou amado era uma escolha que dependia da gravidade ou da necessidade momentânea, mas até a forca era legalmente permitida. Isso deu a Maquiavel a fama de agente do mal, mas na verdade era um agente racional da realidade da época que utilizava todos os recursos permitidos para a conquista e manutenção do poder. Se as suas estratégias nos chocam, também devem nos chocar as realidades da época.

Sendo assim, Maquiavel hoje seria humanista, exatamente porque veria como a única forma de se manter um poder por mais tempo. Porque tinha uma inteligência acima do normal, coisa rara na política nos dias de hoje. Humanismo nada tem a ver com caridade ou assistencialismo, pois, toda ação que privilegia apenas uma parte da sociedade em detrimento da perda ou estagnação do todo, além de não ser humanista é temporária. Ainda mais se considerarmos que esse assistencialismo eleitoreiro é feito às custas de brechas constitucionais que permitem a manipulação de verbas orçadas inicialmente para outros segmentos importantes.

Ainda há tempo de se mudar essa estratégia maquiavélica desatualizada e pretensiosa que não enxerga a irreversível conscientização natural do eleitorado. Há tempo de se perceber que:

  • Quando se mata a fome (Fome Zero), automaticamente se oxigena o cérebro do indivíduo e melhora a sua capacidade de pensar;
  • Esse indivíduo saberá quando a escola for ruim e politicamente tendenciosa para seus filhos;
  • Não aceitará ficar chorando diante das enormes filas e esperas para marcar consultas médicas;
  • Verá que a corrupção tira dinheiro do seu bolso para sustentar vagabundos inescrupulosos;
  • Valorizará o imposto pago e os serviços do governo que deveriam retornar para melhorar sua vida, de sua família e de seu país;
  • Notará que de nada adianta estar bem se o vizinho do lado e o seu bairro não estiverem bem também;
  • Sentirá na pele o preço REAL de cada voto vendido ou dado sem consciência.

Enfim, como um ser que se tornou humanizado, só aceitará ser governado por um governo humanista, que contemple o TODO da sociedade em que vive.

Aos políticos que ainda desejam e pensam ter chances de serem eternos príncipes com suas imutáveis oligarquias, acho bom tirarem seus livros de Maquiavel de cima de seus criados mudos e reformarem suas bibliotecas com livros de Erasmo de Rotterdam, Gianozzo Manetti, Marsílio Ficino, François Rabelais, Thomas Morus, Andrea Alciati, Auguste Comte e outros como do brasileiro Huberto Rohden.

Dissipem o ódio que sentem neste momento em que constatam a necessidade de mudança de planos e sejam os primeiros Maquiavéis humanizados do século XXI. Mas se pensarem em Partido Humanista para viabilizar a mudança, recomecem e leiam de novo este texto. Humanismo não é ideologia partidária, mas sentimento sincero de igualdade.


-o-

2 comentários:

  1. Ia perguntar, diante de sua sugestão para trocar os livros em cima do criado mudo, como fazer se o 'príncipe' é analfabeto. Mas me lembrei que, no caso brasileiro, o 'príncipe' é apenas o fantoche do partidão.
    E.T.: tb sou fã do Rohden.

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  2. Erasmo de Rotterdam, Gianozzo Manetti, Marsílio Ficino, François Rabelais, Thomas Morus, Andrea Alciati, Auguste Comte e outros como do brasileiro Huberto Rohden.


    Pode nos indicar o nome de alguns livros deles?

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